Envolver o aluno no processo da aprendizagem – essa é uma das tarefas mais complexas atribuídas aos professores. Algumas situações podem ser mais favoráveis – por exemplo, quando os estudantes percebem a necessidade de se preparar para o competitivo mundo do trabalho, ou, ainda, quando a curiosidade pelo novo está aguçada. Ambas são situações vividas pelos jovens do ensino médio. No entanto, o cenário da educação não é tão animador. A comparação entre a taxa de matrícula no ensino fundamental e no ensino médio revela um verdadeiro fosso. Enquanto a taxa de matrícula no ensino fundamental é de 95% entre crianças de 7 e 14 anos que estão cursando a etapa adequada de escolarização (PNAD 2006), apenas 48,2% dos jovens entre 15 e 17 anos estão matriculados no ensino médio. Isso significa que 51,8% estão fora da escola, ou atrasados, ainda cursando o ensino fundamental. A conclusão é que uma parcela significativa dos jovens, embora esteja estudando, enfrenta o problema da defasagem escolar.
Dos que chegam ao ensino médio, estima-se que 15% deixem os bancos escolares sem completá-lo, seja pela necessidade de trabalhar, seja por falta de interesse em estudar, segundo dados do Censo Escolar 2006, o último levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Para agravar o quadro, há uma percepção generalizada dos professores de que os alunos que permanecem em sala não se interessam muito pelo que podem aprender ali.
Pode-se imaginar que essa atitude indiferente corresponda a uma forma geral de ser da juventude contemporânea, que muitos consideram alienada e desinteressada do que quer que esteja além do seu próprio umbigo. Outro engano. A pesquisa Adolescentes e Jovens do Brasil: Participação Social e Política, realizada pela Unicef, em parceria com os institutos Itaú Social e Ayrton Senna, indica que a juventude brasileira está atenta à realidade, tem uma visão crítica do País, demonstra uma forte preocupação com questões coletivas, muito mais do que com problemas individuais, e está aberta para colaborar na busca de soluções.
É um enorme potencial, quase nunca posto a serviço da educação. E quem trabalha com jovens sabe: uma vez que eles se empolguem com um projeto, a energia que dispendem é impressionante. Por isso mesmo, há quem veja nesta combinação – potencial mobilizador e educação – um binômio indispensável para o desenvolvimento dos jovens. Compreender as bases da motivação juvenil, desde seus componentes fisiológicos até o modo como ele vivencia a realidade que o envolve, é o ponto de partida. A estratégia adequada para que os conteúdos pedagógicos fiquem mais atraentes é uma descoberta a ser feita em conjunto.
“Já acompanhei muitos trabalhos e não acredito que exista uma única receita”, diz a educadora Kátia Regina Roseiro Coutinho, professora de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Assis, SP. “Mas há duas características sempre presentes: professor entusiasmado e preocupação não apenas com o estudante, mas também com o contexto em que vive.”
“Cada jovem é um laboratório de soluções. Precisamos desmontar a zona de conflito que se cria quando o jovem é visto como parte do problema”, afirma Simone André, coordenadora da área de Juventude do Instituto Ayrton Senna, que desenvolve o SuperAção Jovem, exemplo bem-sucedido da combinação mobilização-educação. O projeto acontece nas escolas, onde os grupos de estudantes – com cerca de dez integrantes – se reúnem nos fins de semana com educadores preparados para tal tarefa e propõem, executam e avaliam projetos de melhoria da sua própria educação.
A proposta é inaugurar uma nova pedagogia de trabalho com a juventude, em que a participação dos rapazes e moças seja autêntica e em que eles possam encontrar soluções criativas e concretas para melhorar sua aprendizagem, sua escola e sua comunidade. Para Simone, o grande desafio da educação formal é preparar o cidadão do século 21 – um indivíduo crítico e solucionador de problemas. E, para aprender, eles têm de colocar a mão na massa, sempre refletindo sobre a prática. “É preciso permitir que eles errem, inclusive”, diz a educadora. “Devemos colocar o mundo nas mãos dos jovens enquanto ainda podemos ensinar sobre os acertos.”
| Motivação x tédio
Para começar, quem trabalha com jovens precisa ter em mente as transformações pelas quais eles estão passando. É justamente nesse período da vida que a ânsia pelo novo toma conta dos pensamentos – é a Natureza chamando-os para a vida adulta. Em termos fisiológicos, o processo pode ser explicado pelo embotamento do sistema de recompensa do cérebro – que é um “conjunto de estruturas que nos premiam com uma sensação de prazer e nos fazem querer mais de tudo o que é bom ou dá certo”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel no livro “O Cérebro em Transformação” (Editora Objetiva).
Nessa fase, os antigos prazeres, como jogar bola ou brincar de correr, não são mais suficientes para ativar essa área, que tem como principais jogadores duas regiões do cérebro – a área tegmentar ventral e o núcleo acumbente, ambas localizadas no terreno central do órgão. A primeira recebe informações dos sentidos sobre o que está acontecendo com o corpo, e do córtex pré-frontal (que fica bem atrás da testa), as intenções que guiaram esse comportamento. Se a avaliação é de que “sim, o que acaba de acontecer é interessante!”, a área tegmentar central derrama dopamina sobre o núcleo acumbente. A sensação de bem-estar que decorre dessa situação pode vir tanto da quantidade de dopamina, uma substância responsável pela comunicação entre neurônios, quanto pela atividade do núcleo acumbente.
Mas, justamente nessa fase da vida, os seres humanos sofrem uma baixa das substâncias químicas cerebrais que recebem a dopamina. Durante a adolescência, o núcleo acumbente perde um terço dos seus receptores. Ou seja, é preciso produzir um estímulo muito mais gratificante – para que se despejem quantidades generosas de dopamina –, para conseguir um resultado, que em termos de bem-estar e prazer ainda é menos intenso do que as brincadeiras de pega-pega das crianças. Por isso, os jovens valorizam tanto as novidades – uma vez que os antigos estímulos não surtem mais efeito, o cérebro procura nas novas situações outras possibilidades de satisfação.
Existe aí, então, uma pista para trazer a juventude para perto dos projetos pedagógicos – oferecer novas oportunidades de aprendizado.
| Bom clima escolar
Apesar de as peculiaridades cerebrais ajudarem na compreensão do tédio adolescente, uma análise fisiológica não explica tudo. O ambiente escolar influencia bastante no engajamento dos estudantes no projeto pedagógico. “E, hoje, a escola pública tem tido dificuldades de se adaptar às mudanças que a internet e outras tecnologias trouxeram para a vida do jovem”, analisa Kátia Coutinho, da UNESP. Para ela, houve um distanciamento entre o que a escola traz e os estabelecimentos tipo lan house oferecem que precisa ser revertido.
Mas, segundo Kátia, não é apenas uma questão de o ensino se modernizar. É preciso resgatar o vínculo entre mestres e pupilos. Se o aluno não se sente minimamente à vontade, ele não vai perguntar, não vai tirar suas dúvidas. De fato, segundo relatório do Banco Mundial sobre educação, “ressalta-se que, mais que a diversidade da composição da escola ou de uma sala de aula, seria o clima escolar desses espaços – se cooperativo, competitivo ou mesmo hostil – o fator que mais colaboraria para a motivação e o desempenho escolar”.
Mas como criar esse ambiente favorável? “Há muitas estratégias – alguns professores usam apenas lousa e giz. O que é preciso mesmo é possibilitar o aprendizado. Como diz a psicopedagoga argentina Alicia Fernandez, não aprende quem não quer aprender, e aí voltamos à relação aluno e professor, porque este deveria ser o disparador da condição de aprender”, diz Kátia.
No mesmo relatório, o Banco Mundial chama a atenção ainda para as capacidades a serem desenvolvidas dentro do contexto escolar. E a principal habilidade é saber tomar as melhores decisões – o que significa capacitá-los para, inclusive, optar por boas oportunidades de aprendizagem.
Os esforços do SuperAção Jovem – que atinge quase um milhão de estudantes em São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal – estão em sintonia com essas premissas, como mostram os resultados do seu projeto de leitura. “Trabalhamos a leitura em quatro dimensões: para ser, para conviver, para aprender e para produzir”, explica Simone André. Com essa ferramenta – a capacidade de adquirir informações e articulá-las –, o jovem adquire espírito crítico.
Assim, o projeto se iniciou com uma pesquisa com 133.143 jovens sobre leitura e participação na escola. A maioria deles afirmou que não escolhe livremente os livros que lê, não costuma ler no tempo livre, não freqüenta a biblioteca. Depois do diagnóstico, esses mesmo jovens se organizaram e propuseram projetos para reverter essa situação. Eles conseguiram mobilizar 23.292 professores para conhecê-los melhor como leitores e apresentarem os resultados da pesquisa. E quase 50% desse grupo docente se engajou em projetos efetivos para melhorar a leitura nas escolas. “Quando digo que é possível, falo de uma posição que é de quem tem o otimismo da prática”, conclui Simone André. | |
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