As escolas de ensino médio estão esvaziando. Pelo menos seis milhões de jovens com idades entre 15 e 17 anos estão fora das salas de aula do antigo 2° grau. Ou seja, de cada 10 brasileiros na faixa etária correta para essa etapa educacional apenas quatro estão matriculados na rede de ensino médio. E o pior é que nem todos sairão da escola com o diploma nas mãos. Muita gente abandonará os estudos no meio do caminho, deixando para trás a chance de entrar na universidade ou de conseguir um posto melhor no mercado de trabalho.
Somadas, as taxas de evasão e repetência nacionais chegam a 32,6% no ensino médio de acordo com as estatísticas mais recentes do Ministério da Educação. Significa que de cada 10 alunos matriculados no início do ano letivo, menos de sete concluem os estudos com êxito no período. O funil que começa ainda na matrícula se estreita nas três séries seguintes.
A capital do país não destoa da realidade nacional. No DF, as taxas de evasão e repetência juntas alcançam quase 35%. "Existe muita dificuldade em manter os jovens na escola. O Brasil criou um cinturão de proteção para garantir o ensino fundamental. É preciso fazer o mesmo com os alunos do ensino médio", reconhece Júlia Gama Souza, diretora de ensino médio da Secretaria de Educação do DF.O cenário de pouca gente sentada nas carteiras escolares e ainda menos gente concluindo o ensino médio preocupa os especialistas. Entre eles, expressões como "crise de audiência" e "apagão profissional" começam a ser usadas para descrever o fenômeno e suas conseqüências. "Um país precisa de capital humano capacitado para crescer. Se os jovens desistem dos estudos, o Brasil fica sem este capital", comenta a diretora executiva do Instituto Unibanco, Wanda Engel. Entre 4 e 5 de dezembro, a instituição promoveu um seminário para discutir as dificuldades do ensino médio brasileiro.
As causasMas, por que as salas de aula estão esvaziando? Não há uma única resposta. Existem várias. "É preciso levar em consideração fatores que vão desde as condições sociais dos estudantes até as mudanças que ocorreram no mundo nos últimos anos", comenta Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). "O fenômeno é complexo. Mas, na minha opinião, o que mais afasta os jovens é a má qualidade do ensino", completa o especialista em educação Claudio de Moura Castro, da rede Pitágoras
No amplo cardápio de problemas, o mais recente é o impasse entre a escola e o mundo que a cerca. De trinta anos para cá, o número de fontes de informação à disposição das pessoas se multiplicou várias vezes. A internet, por exemplo, deixou ao alcance de alguns cliques conhecimentos que dependiam de demoradas visitas às bibliotecas. "Antes, o professor era a principal fonte de informação. Agora, ele precisa se comportar como um organizador do conhecimento", explica Ricardo Paes Barros. A dificuldade é que boa parte dos mestres ainda não assumiu essa nova postura.
A padronização do currículo de ensino médio também contribui para o apagão nas salas de aula. "Os conteúdos foram pensados para preparar o jovem para a universidade. Mas, em nenhum país do mundo, 100% deles vão para a universidade", avisa João Batista de Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, organização não-governamental de apoio a ações educacionais.
A repórter acompanhou o seminário "A crise de audiência no ensino médio", a convite do instituto Unibanco
A primeira turma do Centro de Ensino Médio Integrado (CEMI) do Gama se forma neste fim de ano. Os olhos dos estudantes enchem de lágrimas quando pensam que deixarão a "família" CEMI. Mas, os planos para o futuro trazem os sorrisos de volta. O CEMI é a única escola pública do Distrito Federal que conjuga o currículo do ensino médio à formação profissional conforme está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Iniciativas assim são defendidas pelos especialistas como a saída para evitar o temido "apagão profissional", expressão usada para descrever a falta de mão-de-obra de nível médio qualificada.
No ano que vem, a Secretaria de Educação pretende levar o modelo do CEMI a outras quatro escolas brasilienses. Uma das cidades beneficiadas provavelmente será a Estrutural, mas a ampliação do modelo ainda depende da aprovação do Conselho de Educação do DF e de ajustes nos recursos orçamentários do governo. "A experiência da escola do Gama é muito positiva. A educação profissional amplia as chances dos alunos no mercado de trabalho", afirma Júlia Gama Souza, diretora de ensino médio da Secretaria de Educação.
O CEMI do Gama funciona em turno integral, das 7h30 às 18hs. Hoje 312 estudantes de 1°, 2° e 3° ano fazem parte da "família". Além do currículo padrão do ensino médio, eles recebem aulas técnicas de informática. Como se trata de formação profissional, as disciplinas são bastante aprofundadas — vão de linguagem de programação até desenho de páginas para a web. Para conseguir o diploma, os alunos também precisam fazer estágio de 200 horas. "Eles estão muito bem qualificados para o primeiro emprego. É estou falando de emprego de verdade, não de subemprego", garante a diretora Alba Curcio.
A intimidade dos meninos do CEMI com a informática é tanta que o projeto final dos alunos de 3° ano foi a criação de portais completos de notícias. "Além do trabalho de programação, elaboramos o visual das páginas e todo o conteúdo informativo", conta Eduard Beltrani, 19 anos, do 3° ano A . Os portais desenvolvidos pelos alunos contam ainda com recursos de aúdio, vídeo e interatividade. "O desafio estava em colocar em prática tudo que aprendemos. O trabalho foi muito interessante", conta Nicollas Rodrigues, 19 anos, do 3° ano C.
Nos trabalhos dos alunos do CEMI, é comum que os conteúdos das disciplinas tradicionais se misturem com as lições apreendidas nas classes de informática. Na hora de apresentar seminários de geografia e história, os alunos preparam apresentações em Power Point ou Flash. Em um trabalho sobre consciência negra, o grupo de Thallyta de Paiva, 16 anos, inovou ao elaborar um programa em formato de noticiário de televisão sobre o assunto. "A gente sempre usa os recursos a nosso favor. É importante fazer um trabalho diferente para captar a atenção dos colegas", conta Thallyta de Paiva, 16 anos.
O fato de os estudantes do CEMI passarem mais tempo na escola do que os alunos do ensino regular estreita os laços entre os colegas e os professores. A convivência também se torna mais harmoniosa porque os jovens e as famílias precisam se envolver com a realidade da escola. "A escola foi uma família para mim. Sempre vou ter boas recordações daqui", conta Zaira Soares , 17 anos , do 3° A. De tão comprometidos com o projeto do qual fizeram parte, os formandos aproveitam a oportunidade para cobrar do governo uma sede definitiva para o CEMI. Por enquanto, a escola funciona provisoriamente em duas aulas do Centro de Ensino Médio 2 do Gama.
A educação profissionalizante ainda engatinha na rede pública do DF. Dos 70,5 mil alunos de ensino médio, menos de 10 mil participam de alguma iniciativa que concilia escola e trabalho. A realidade se repete nas outras cidades brasileiras porque a LDB aboliu o antigo modelo profissionalizante. A partir da criação da lei (1996), o currículo padrão de ensino médio foi submetido a todas as escolas brasileiras.
Os outros projetos brasilienses de educação profissionalizante são desenvolvidos por meio de parceiras com o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Os alunos estudam em escolas tradicionais e no horário contrário ao das aulas seguem para cursos diversos
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