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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

MENDICÂNCIA EM SEMÁFOROS

  
Pai que explorar filho nas ruas vai ser detido  

A partir de hoje, será deflagrada campanha Basta de Rua. Justiça recolherá menores e levará responsáveis para delegacia 
 
Por João Valadares

Depois de várias tentativas e nada de conseguir retirar as crianças das ruas do Recife, Justiça, Ministério Público, Polícias Militar e Civil, prefeitura, governo do Estado e Organizações Não Governamentais (ONGs) acreditam que agora é para valer. A diferença é que, desta vez, o Poder Judiciário vai usar o rigor da lei. A partir de hoje, pais que utilizarem crianças nas ruas para ganhar dinheiro vão ser detidos e responsabilizados criminalmente. Não há tolerância. “Não é mais tempo de passar a mão na cabeça. Para as famílias criminosas, temos a lei.” A frase dura é do juiz-titular da 2ª Vara da Infância e Juventude, Élio Braz Mendes. E para mostrar que a campanha Basta de Rua, lançada na manhã de ontem e coordenada pela ONG Associação Beneficente Criança-Cidadã (ABCC), não é apenas mais uma, a Justiça cumpre hoje nove mandados de busca e apreensão dos meninos que estão sendo explorados pelos pais.

Com o auxílio de dois oficiais de Justiça e uma equipe de policiais militares, os garotos vão ser recolhidos. Se os pais estiverem no local, serão detidos e encaminhados à Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA) para assinar um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), instrumento destinado a crimes de menor potencial ofensivo. Em seguida, são liberados e respondem a processo no juizado especial criminal.

A coordenadora de direitos humanos da ABCC, Maria Cláudia de Azambuja, explicou que, inicialmente, a idéia é levar as crianças para a casa de algum parente que tenha condições de criá-las. “Se não existir, elas vão para abrigos da prefeitura e, posteriormente, podem ser adotadas”, afirmou. O juiz Élio Braz Mendes ressaltou que já tem 12 processos analisados. “Desses, em nove já determinei a busca e apreensão. Já fizemos a diferenciação das famílias que estão na rua por pobreza, por não serem beneficiadas por programas sociais do governo. As outras são criminosas e persistem na rua explorando as crianças.”

Na manhã de ontem, na Rua do Imperador, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife, Maria Ramos da Silva, 35 anos, grávida, e o marido, Percílio Pereira de França, observavam embaixo de uma árvore, três filhos pedirem esmolas a turistas. Maria reconhece o erro. “Mas não temos o que comer. É melhor ficar aqui do que deixá-los morrendo de fome em casa.” Ela ganha R$ 120 do programa do governo federal Bolsa-Família. “É muito pouco.” Dos três filhos, apenas o de 8 anos freqüenta a escola. Duas meninas, uma de 6 e outra de 3, não foram matriculadas. Bem pertinho de lá, na calçada do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), uma mãe, que não quis informar o nome, orientava dois filhos pequenos. Com uma chupeta na boca, um deles passa o dia tentando ganhar dinheiro para os pais. “É para comprar comida.”

Todo o procedimento judicial tem início com o Ministério Público de Pernambuco. Nesses 12 casos iniciais, a promotoria da Infância e da Juventude entrou com uma ação de destituição ou suspensão do poder familiar. As ações foram acatadas pela Justiça. O Tribunal de Justiça de Pernambuco recomendou que todos os juízes da Infância e da Juventude das comarcas de Pernambuco façam um levantamento nas suas respectivas varas dos processos relativos a casos de exploração de crianças e adolescentes.

“Não haverá tolerância”, explicou o juiz. O magistrado informou que, mesmo sem mandado judicial, os policiais que presenciarem o flagrante podem encaminhar os pais à delegacia para instaurar o procedimento. O secretário de Assistência Social da Prefeitura do Recife, José Antônio Bertotti Júnior, explicou que, desde 2001, o poder público municipal vem abordando famílias nas ruas e tentando convencê-las a voltar para casa. “Essas famílias em que a Justiça já concedeu o mandado de busca e apreensão são aquelas que resistiram e não querem, de forma alguma, deixar a rua.”

Juiz diz que é preciso parar de dar esmola 

O diretor do Fórum do Recife, juiz Humberto Vasconcelos, declarou, durante discurso no lançamento da Campanha Basta de Rua, que de nada adianta todo o esforço empregado se a sociedade continuar dano esmolas às crianças. “O primeiro exercício que a gente deve fazer é não oferecer esmola. Enquanto a sociedade permanecer com essa conduta nociva e hostil a situação não vai ser modificada. É um compromisso moral. Só assim, quando pararmos de ficar dando esmola, é que toda a retaguarda social vai se harmonizar e se estruturar”, ressaltou.

Outro ponto destacado pelo magistrado foi a fiscalização. “As 18 varas regionais de Pernambuco vão ser orientadas para realizar essa atividade.”

As ações do Basta de Rua foram definidas após levantamento realizado pela ONG ABCC, em maio deste ano. Com a ajuda do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc) da Prefeitura do Recife, foram cadastradas 32 famílias que vivem permanentemente nas ruas da cidade. “Verificamos que havia 83 crianças permanentemente nas ruas.” Aquelas que têm até 7 anos, ganham, em média, R$ 15 por dia. Entre 8 e 11 anos, o valor médio é de R$ 10. Todos os meninos entrevistados afirmaram que o dinheiro é entregue aos pais desempregados.

Outro ponto que chamou a atenção é que grande parte dos meninos tem residência fixa. Em alguns casos, os pais recebem benefícios de programas sociais, a exemplo do Bolsa-Família.

O estudo verificou que as crianças encontradas nas ruas são principalmente do Coque, na Ilha Joana Bezerra, Imbiribeira, Jardim Jordão, Arruda, Casa Amarela e Coelhos.

Na tarde de ontem, Maria Cláudia de Azambuja esteve, acompanhada por policiais militares, em alguns pontos do Recife para orientar os pais que continuam nas ruas explorando os filhos. Ela informou que pretende realizar uma campanha de mídia para que a população tenha mais informação sobre o assunto e possa entender melhor o sentido das ações desenvolvidas.

A responsabilidade é de todos  

Não é novidade aos nossos olhos enxergar meninos e meninas em esquinas, sendo explorados por pais e parentes ou, simplesmente, largados ao relento. Situação que se tornou permanente nas cidades brasileiras pela ausência e falta de infra-estrutura de conselhos tutelares, delegacias especializadas e brechas abertas pela falta de rigor na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas, até então, o diagnóstico do problema, que era apenas visual, pode começar a ter efeito prático para mudar essa dura realidade.

Denúncias que não eram apuradas vão se tornar, a partir de hoje, pontapé inicial para a retirada das crianças de ruas e avenidas do Recife. Nova empreitada do poder público, ONGs e Justiça promete punir criminalmente aqueles que utilizarem os próprios filhos para ganhar dinheiro. Uma atitude acertada que vai precisar do apoio da sociedade para fazer valer essa rede de combate.

É fato que criança longe dos cuidados da família está mais vulnerável à exploração sexual, criminalidade, ao tráfico de seres humanos, alcoolismo precoce e abandono da escola. Portanto, se um menino some do bairro ou falta no colégio, é dever de toda a comunidade perguntar por ele. Se outro aparece no cruzamento, também. A simples preocupação da população pode fazer a diferença entre a criança que volta para casa e a que fica na rua para enveredar por caminhos perigosos.

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