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domingo, 10 de agosto de 2008

Lula avalia punição a oficiais do Alto Comando do Exército


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutirá com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, eventual punição aos oficiais da ativa que participaram de ato na quinta-feira (07/08) no Clube Militar. No evento, militares da reserva atacaram a revisão da Lei da Anistia e integrantes do governo, como o ministro Tarso Genro (Justiça).

Lula também manterá a orientação para que a AGU (Advocacia Geral da União) reconheça que houve tortura na ditadura militar (1964-1985). Tarso e o ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) orientaram a AGU a reconhecer crimes de tortura na ditadura na defesa formal à Justiça Federal q ue a União deve fazer em virtude de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.

Nas palavras de um auxiliar de Lula, o governo não vai negar a realidade: houve tortura na ditadura. Segundo ele, o governo já assumiu isso quando lan çou um livro no ano passado, no qual foram relatados crimes de tortura, de seqüestros e de assassinatos cometidos pelo governo militar contra militantes políticos. Daí a AGU reconhecer a tortura no parecer à Justiça Federal.

De volta à eventual punição que Lula analisará: dois integrantes do Alto Comando do Exército participaram do evento de quinta no Clube Militar, entidade que reúne militares fora da ativa. Foram eles: o chefe do Comando Militar do Leste, general-de-Exército Luiz Cesário Silveira Filho, e o diretor de ensino do Exército, Paulo César de Castro.

Lula, que estava em Pequim, deixou para lidar com o imbróglio militar no retorno. Ele chegou ontem. O mais provável é que presidente trate do assunto amanhã, segunda-feira (11/08), em reunião normal de trabalho no Palácio do Planalto.

Uma eventual punição ao chefe do Comando Militar do Leste poderá ser a antecipação de sua ida para a reserva. No governo, diz-se que o ge neral Silveira Filho está prestes a se aposentar. Uma eventual retaliação do presidente pode ser uma retirada antecipada.

Não inflar o problema

A cúpula do governo não deseja dar ar de crise à tensão com os militares. No entanto, avaliou como provocações a presença dos oficiais da ativa no ato do Clube Militar e a publicação na página oficial do Comando Militar do Leste na Internet de um texto em defesa da ação dos militares na ditadura.

Um auxiliar direto do presidente disse que, tecnicamente, os militares da ativa tomaram cautelas para tentar evitar punição. Foram sem farda ao ato do Clube Militar e se mantiveram calados. Em tese, estiveram lá como pessoas físicas.

A mensagem no site do Comando Militar do Leste, um texto escrito por um general em 1983, teve, na visão do Palácio do Planalto, conteúdo de provocação.

Na cúpula do governo, também se reconhece que palavras de Tarso a favor da revisão da Lei da Anistia (1979), das quais o ministro já recuou publicamente, deram o gás inicial à tensão entre as Forças Armadas e duas pastas do governo --Justiça e Direitos Humanos.

Não interessa a Lula aumentar a crise. O presidente ficou incomodado com declarações de Tarso que contrariaram as Forças Armadas. Lula as julgou desnecessárias e fora de hora. No entanto, o ministro da Justiça tem crédito com o presidente por ser um dos auxiliares que defendem publicamente o governo em momentos difíceis, como no episódio do dossiê anti-FHC.

Tarso está certo

O ministro da Justiça pode ser acusado de não possuir habilidade política para lidar com assuntos espinhosos. Muitas vezes, fala mais do que deve para alguém em sua posição. Isso tem um lado bom. Tarso diz o que pensa.

Pode haver cálculo político, o que é normal na sua atividade profissional. Mas, se há mesmo tal cálculo, ele geralmente lhe tira força política. É besteira achar que Tarso bombardeia a eventual candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele já aceitou que Dilma é a candidata de Lula. Para o presidente, ela é o melhor nome para ganhar ou também para perder.

Tarso está coberto de razão ao dizer que a Lei da Anistia não perdoou crimes de tortura. Na guerra entre militares e militantes políticos, os primeiros representavam o Estado. Foi o Estado brasileiro quem cometeu crimes de tortura, seqüestro e assassinato até hoje nebulosos.

É preciso fazer um ajuste de contas com o passado. Lula ganharia historicamente se o fizesse, mas perderia na política ime diata. Uma pena. Quem tem a popularidade do presidente deve comprar brigas que valem a pena ser compradas, e não varrê-las para baixo do tapete.

É desproporcional acusar agentes da repressão e militantes de esquerda da mesma forma. Como já foi dito, os primeiros representavam o Estado. Cabe à Justiça dar a palavra sobre a cobertura ou não da Lei de Anistia aos crimes de tortura.

Responsabilidade ampla

As Forças Armadas dizem que os arquivos da ditadura foram queimados. Sempre com sujeito indeterminado. É preciso responder quem queimou, por ordem de quem, sob o comando de quem.

O coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ulstra tem razão em estar contrariado. Afinal, não foi o único torturador da ditadura. Não agiu sozinho. Seus superiores sabiam o que ele fazia. Os generais-presidentes sabiam. E muitos setores da sociedade civil sabiam e apoiaram.

Há uma culpa do Estado que ainda precisa ser reparada. Faltam respostas para que pais, mães, irmãos, irmãs, maridos, esposas, namorados, namoradas, amigos e amigas possam enterrar os restos mortais de seus entes queridos ou, no mínimo, obter do poder público uma satisfação sobre o que exatamente aconteceu com quem desapareceu nos anos de chumbo.


Por Kennedy Alencar, 40, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos. Também é comentarista do telejornal "RedeTVNews", no ar de segunda a sábado às 21h10.

E-mail: kalencar@folhasp.com.br

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