Por João Antonio Felício e Maria Izabel Azevedo Noronha
"A greve é direito. Consideramos que o profissional da educação tem de ser valorizado antes de começar a receber críticas", disse Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. "O sindicato está completamente equivocado na greve dos professores. A solução da educação no Brasil tem que ser guiada por uma lógica empresarial, porque é preciso ter uma lógica de resultados", alega Viviane Senna, da ONG empresarial Todos pela Educação, financiada por capital multinacional, bancos privados e recursos públicos.
Durante a recente greve dos professores paulistas, dois movimentos se colocaram em campos opostos na análise da mobilização conduzida pela Apeoesp (Associação Professores Ensino Oficial do Estado de São Paulo). A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ligada aos movimentos sociais, favorável à greve, e a ONG empresarial TPE, Todos Pela Educação, mantida por empresários.
Como a nossa categoria encontra-se em estado de greve contra o decreto do governador José Serra (PSDB), e a grande mídia continua sua campanha sistemática de desinformação, negando espaço ao contraditório, achamos fundamental compartilhar algumas reflexões.
Infelizmente, há pessoas que se crêem donas da verdade, mas que contemplam a vida do alto da montanha, tecendo considerações sobre a dureza da labuta, o sol e o suor na distante planície. Uma das principais representantes da TPE, a senhora Viviane Senna afirmou que a greve não atende o interesse dos alunos, apenas o de professores e do Sindicato. Como se fosse ela a grande conhecedora da escola pública, e não os que sofrem na carne com a dura realidade. Como se a campanha de uma categoria mal remunerada, espoliada e desprezada não representasse a luta por melhores condições de ensino, não dialogasse diretamente com a qualidade da educação.
Talvez preferisse que, em vez de desfraldarmos as bandeiras do ensino público, gratuito e de qualidade, coletivizando com a comunidade escolar e a sociedade a necessidade de políticas públicas, de mais e melhores investimentos no ensino, devêssemos ficar isolados dentro de uma sala de aula choramingando.
Para mudarmos o atual quadro vivido pela educação pública paulista, é preciso valorizar o profissional, fazer com que a carreira volte a ser atraente para os jovens; é necessário investir na infra-estrutura atual, mais do que defasada, impermeável aos avanços tecnológicos, como a computação, mas muito pior, pois a quase totalidade das bibliotecas e laboratórios estão fechados ou desaparelhados e sem pessoal, faltam os equipamentos básicos necessários; é preciso atualizar os conhecimentos dos professores, permitindo um aprimoramento e uma qualificação constantes. E, finalmente, mas não menos importante, democratizar o debate sobre a metodologia e os materiais utilizados, que não podem continuar reduzidos a apostilinhas pasteurizadas.
As reivindicações enumeradas são históricas, sempre fizeram parte das lutas dos professores do Brasil, que nunca separaram a busca de um salário digno - já que não podem viver de vento - das necessidades vitais da educação. E é a defesa da escola pública a razão de ser do atual estado de greve em que se encontram os professores paulistas, que não se dobram ao autoritarismo e a intransigência do governo do estado. O movimento, ressaltamos, foi aprovado, de forma legítima, natural, decidido em assembléia democrática, depois de cinco anos de insistentes tentativas de negociação.
Imediatamente, os mesmos editorialistas que condenaram à invisibilidade reclamações e protestos de professores, pais e funcionários, ao mesmo tempo em que se calaram durante o longo processo de sucateamento do ensino no estado mais rico do país, entram agora em frenesi, publicando compulsivamente artigos, desqualificações e impropérios para questionar a greve e as ações do Sindicato.
É neste momento que o chamado TPE surge como tábua de salvação dos inimigos da educação, colaborando com a concepção preconceituosa da grande imprensa, que abandona o jornalismo para fazer relações públicas do governo estadual. Uma postura absolutamente coerente, já que nunca se viu movimento de empresários a favor de greve de trabalhadores, pois deporia contra seus próprios interesses. Ou alguém já viu um banqueiro apoiando greve de bancário? Dono de montadora apoiando paralisação de metalúrgico? Ou usineiro empolgado com reivindicação de canavieiro?
A senhora Viviane Senna, uma das suas mais proeminentes lideranças, e que possui uma rede de escolas sustentada por recursos empresariais e governamentais - isto é, públicos - dispõe naturalmente das condições necessárias para proporcionar uma boa educação aos seus alunos. Ao questionar o Sindicato por liderar a greve, infelizmente, ela faz coro com os que querem impedir que milhões de estudantes da rede pública tenham as mesmas oportunidades dos beneficiados em seu micro-universo. Aliás, onde estava esta senhora durante os anos tucanos? Por que jamais apareceu para questionar os responsáveis pela situação de descalabro em que a escola pública se encontra? Ou foram os professores que fecharam escolas e salas de aula, desempregaram, não fizeram concursos públicos, arrocharam salários, desprestigiaram a educação?
Nos propomos a estabelecer uma avaliação sobre a qualidade do ensino, efetiva, real, com a comunidade escolar, discutindo as responsabilidades de cada um: a nossa, a do governo, a dos pais e alunos. Mas para isso, reiteramos, são necessárias premissas básicas: a categoria receber um salário digno, as escolas terem condições de infra-estrutura adequadas, equipamentos atuais, e que os professores passem por um processo de formação e qualificação. Na nossa compreensão, isso poderia ser feito proporcionando maior interação entre escola e comunidade. Nunca, obviamente, da forma como foi apresentada pela secretária de Educação, uma medida essencialmente punitiva.
Na verdade, é uma linha que reforça a injustiça, pois pune a vítima duas vezes. Para fazer um paralelo, seria igual a cobrar de um lavrador do Nordeste que, frente à intempérie e à falta de apoio, produza por alqueire o mesmo que um alemão ou japonês dotados de toda sorte de incentivos.
Nas palavras de um representante do TPE, do qual fazem parte representantes da Gerdau, dos bancos Real e Itaú, o seu "movimento" é "mais colaborativo". A pergunta que não quer calar é: com quem? Pois ao servirem de escudo a serviço do governo de plantão, servem como anteparo às pressões da sociedade civil. Por que não colocam seu poder político - para não falar de seus cifrões - em benefício da resolução do problema? Talvez assim a rede física de São Paulo não estaria tão abandonada e desmantelada, com crianças saindo dos bancos escolares com precários conhecimentos nas mais variadas áreas de estudo. Querem nos fazer crer que a culpa é dos professores, mas a verdade é que, tanto quanto os alunos, eles também são vítimas.
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João Antonio Felício é da executiva nacional da CUT e Maria Izabel Azevedo Noronha é presidente da Apeoesp (Associação Professores Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
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