Fazia tempo que não era lançado um filme tão complexo e contundente como Syriana, que bem poderia se chamar “Corrupção S/A”. Dirigido por Stephen Gaghan, roteirista do excelente Traffic, conta com um elenco de primeira linha liderado por George Clooney (também um dos produtores executivos) para mostrar, com tintas realistas e engajamento político, a podridão que envolve o mundo dos negócios - no caso o de exploração e venda de petróleo no Oriente Médio.
Qualquer um que algum dia acreditou na ladainha neoliberal sobre a suposta honestidade das corporações privadas frente à inerente corrupção do Estado, muito usada para difundir a tão propaga “necessidade” das privatizações nas últimas décadas, terá que rever seus valores após assistir ao filme. Embora Syriana tenha formato de thriller político e apresente várias tramas paralelas que só irão se unir no final, o que move o enredo é a disputa política entre dois irmãos num emirado árabe no Golfo Pérsico. Um deles é o típico playboy alienado e vendido ao sistema capitalista, que torra a fortuna da família com iates, drogas e mulheres, enquanto o outro, Príncipe Nasir (Alexander Siddig), tem intenções mais nobres.
Vem dele, por sinal, uma das falas mais reveladoras do filme. Quando interpelado pelo executivo feito por Matt Damon sobre o inevitável fim das reservas petrolíferas mundiais e as conseqüências disso para os povos do Oriente Médio, que fatalmente vão retornar ao barbarismo, dispara: “E você acha que eu não sei disso? Quando aceitei a melhor oferta da China para explorar meus poços, o fiz pensando em meu povo, em usar o dinheiro para melhorar a condição de vida de todos, investir em infra-estrutura e bem estar social. Por isso, agora sou chamado pela mídia e pelo seu governo de terrorista, comunista e ateu!”.
Mas o ponto que mais impressiona em Syriana, não só pela crueza, mas também pela alta dose de verossimilhança, são as interferências diretas promovidas pelo Governo dos Estados Unidos, via sua Central de Inteligência (CIA), nos negócios realizados na região. Seus agentes agem como verdadeiros “anjos da guarda” (ou chacais) para garantir que somente as empresas estadunidenses fechem negócios no Golfo Pérsico, nem que para isso precisem torturar e matar qualquer um que se colocar no caminho.
Do outro lado, as grandes corporações fazem das tripas coração para abocanhar contratos milionários de exclusividade. Manipulação, distorção, mentiras e corrupção são palavras banais neste negócio. Numa seqüência exemplar, um político conservador (interpretado por Tim Blake Nelson), ao ser flagrado em ato de corrupção por advogado que representa os interesses de uma empresa, dispara uma frase que já se tornou antológica: “Corrupção? Corrupção é a intrusão do governo no mercado na forma de regulação. Temos leis contra ela justamente para que possamos sair impunes. Corrupção é a nossa proteção! Corrupção nos mantém salvos e aquecidos! É graças à corrupção que você e eu viajamos o mundo ao invés de brigar nas ruas por um pedaço de carne! Corrupção é o motivo da nossa vitória!”. Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.
Infelizmente, nem tudo são flores em Syriana (a começar pelo nome, que não é explicado, mas é usado tanto para se referir à Síria - como em Pax Syriana -, quanto como um rótulo hipotético para referir-se a países do Oriente Médio que têm semelhança com a Síria). Ou seja, quem não tiver um conhecimento razoável da situação atual da região, incluindo aí os conflitos entre seus inúmeros grupos político-religiosos, e de como funciona o mercado das fusões nos Estados Unidos vai ter grande dificuldade de seguir a trama. Há também um excesso de personagens que deixa a situação ainda mais complicada (o drama familiar do executivo feito por Damon, por exemplo, não acrescenta muito ao filme e pode confundir o espectador). O agente da CIA, feito por Clooney, também sofre de certa letargia e inocência. Jamais alguém com tamanha experiência e bagagem em fazer o jogo sujo para o Tio Sam seria manipulado e enganado de forma tão fácil, muito menos ficaria tão surpreso ao ser descartado num momento de crise.
Todavia, mesmo apresentando essas falhas e incoerências, é inegável que Syriana mereça respeito e crédito, não apenas por tocar numa ferida aberta que pouquíssimas pessoas teriam coragem de expor, mas, principalmente, por deixar claro que, do mundo dos negócios promovidos pelas grandes corporações transnacionais, ninguém sai limpo. E as conseqüências de tudo isso serão, a médio e longo prazos, catastróficas para a humanidade, como bem mostra o filme ao acompanhar a trajetória de um emigrante paquistanês que, expulso do emprego, brutalizado pela polícia e sem qualquer esperança de um futuro melhor, abraça a causa do terrorismo contra o inimigo de seu povo.
Mais atual e pertinente do que Syriana, sinceramente, dificilmente um filme será.
André Lux, http://tudo-em-cima.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário