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quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Minuta do Segundo Manifesto Ecossocialista

2º Manifesto Ecossocialista (minuta)
Por Ian Angus, Michael Lowy e Ian Angus (abril 2008) "El mundo tiene fiebre por el cambio climático y la enfermedad se llama modelo de desarrollo capitalista" — Evo Morales, presidente da Bolívia, Setembro 2007
A Escolha da Humanidade A humanidade enfrenta hoje uma escolha extema: ecossocialismo ou barbárie. Às barbaridades do último século - 100 anos de guerra, pilhagem imperialista brutal e genocídio - o capitalismo adicionou novos horrores. Agora é inteiramente possível que o ar que respiramos e a água que nós bebemos estejam permanentemente envenenadas e que o aquecimento global fará boa parte do mundo inabitável. A ciência é clara e irrefutável: as mudanças do clima são reais, e a causa principal é o uso dos combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, a gasolina e o carvão. A terra está hoje significativamente mais quente do que era há algumas décadas, e o ritmo está aumentando de forma acelerada. Sem controle, o aquecimento global terá impactos catastróficos nas vidas humana, animal e vegetal. A produção das colheitas se reduzirão drasticamente, gerando fome em larga escala. Centenas de milhões de pessoas serão deslocadas por secas em algumas áreas e por níveis elevados das marés em outras. Um clima caótico e imprevisível será a regra. Epidemias de malária, de cólera e mesmo de doenças mais mortais aniquilarão os mais pobres e os mais vulneráveis de cada sociedade. O impacto será o mais devastador naqueles cujas vidas já vêm sido destruídas pelo imperialismo inúmeras vezes - os povos da Ásia, África, América Latina e os povos indígenas de todas as partes. As mudanças do clima já foram chamadas justificadamente como um ato de agressão dos ricos sobre os pobres. A destruição ecológica não é uma característica acidental do capitalismo: está no DNA do sistema. A necessidade insaciável de aumentar os lucros não pode ser reprogramada. O capitalismo não pode sobreviver com limites a seu crescimento assim como uma pessoa não pode viver sem respirar.
Sob o capitalismo, a única medida de crescimento é quanto é vendido cada dia, cada semana, cada ano - incluindo vastas quantidades de produtos que são diretamente prejudiciais aos seres humanos e à natureza, produtos que não podem ser produzidos sem espalhar doenças, destruir as florestas que produzem o oxigênio que nós respiramos, devastar ecosistemas, e tratar nossa água e ar como se fossem esgotos do lixo industrial. O capitalismo foi sempre ecologicamente destrutivo. Das usinas elétricas nos EUA às florestas de Indonésia; dos bancos de piche no Canadá aos poços de óleo na Nigéria, a corrida global ao lucro causou incontáveis danos à natureza. Durante nossas vidas, estas agressões à Terra foram se acelerando. Uma mudança quantitativa está dando lugar à transformação qualitativa, levando o mundo a um ponto limite, à beira do desastre. Um time crescente de pesquisadores científicos tem identificado muitas maneiras nas quais pequenos aumentos na temperatura poderiam desencadear efeitos incontroláveis - tais como o derretimento rápido da camada de gelo da Groelândia ou a liberação do gás metano enterrada no gelo e no fundo do oceano - que tornaria inevitável uma catastrófica mudança do clima. Se o capitalismo continuar a ordem social dominante, o melhor que podemos esperar são condições climáticas insuportáveis, a intensificação das crises sociais e a propagação das formas mais bárbaras de poder, como a luta dos poderes imperialistas entre si e com o Sul global para controlarem os cada vez mais escassos recursos naturais no mundo. No pior dos casos, a vida humana pode não sobreviver. O capitalismo é o inimigo primário da natureza, incluindo a humanidade. Aboli-lo nunca foi tão urgente. Estratégias Capitalistas para Mudança O mundo está inundado com estratégias para enfrentar o desastre ecológico, inclusive o desastre ameaçador decorrente do crescimento imprudente do carbono atmosférico. Tudo isso compartilha uma característica comum: são planejados por e agem em nome do sistema global dominante, o capitalismo.
Não é surpreendente que o mesmo sistema que provoca a crise ecológica também estabelece os termos dos debates sobre a crise ecológica. Pois o capital comanda os meios de produção do conhecimento tanto quanto do carbono atmosférico. E, desta forma, tal como seria inconcebível que o capital se tornasse de repente um sistema ecologicamente racional de produção, ele deve também fingir que pode curar as feridas que infligiu na Terra. Conformemente, os políticos mancomunados a ele, assim como burocratas, economistas e professores propagam uma lista infinita de propostas, todas variações do mesmo tema em que os danos ecológicos do mundo podem ser reparados sem o rompimento com o mercado livre e com o sistema de acumulação que comanda a economia mundial. Mas uma pessoa não pode servir a dois mestres, ou seja, neste caso, a integridade da terra e a rentabilidade do capitalismo. Um deve ser descartado, e desde que o dinheiro rege nosso mundo, as meras necessidades da natureza - e conseqüentemente da sobrevivência humana - serão deferidas pelo capital de modo que a acumulação possa continuar. Temos toda a razão, portanto, de duvidar radicalmente das ações estabelecidas para medir a escalada da catástrofe ecológica. E certamente, além de um verniz cosmético, equivalente essencialmente às plantas nos átrios das grandes coorporações, as reformas dos últimos 35 anos foram uma falha monstruosa. Melhorias individuais acontecem naturalmente. Contudo estas são inevitavelmente oprimidas e varridas pela expansão impiedosa do sistema e da natureza caótica de sua produção. Um fato pode dar-nos uma indicação da falha: nos primeiros quatro anos do século XXI, as emissões globais anuais de carbono eram quase três vezes maiores daquelas da década dos 1990s, apesar do surgimento do Protocolo de Kyoto em 1997. Kyoto emprega dois mecanismos: o do Sistema "Cap and Trade" , que fixa um limite máximo de emissões e cria um mercado de livre troca de títulos de direito de emissão de carbono, e projetos no Sul global -- os chamados "Mecanismos de Desenvolvimento Limpo" (MDLs) -- para compensar as emissões das nações industriais. Todos estes instrumentos dependem dos mecanismos de mercado, o que significa, primeiramente, que o carbono atmosférico se transforma diretamente em uma commodity, logo sob o controle dos mesmos interesses das classes que criou o aquecimento global em primeiro lugar. Os capitalistas não são compelidos a reduzir suas emissões do carbono mas na verdade são subornados para fazê-lo. E, desta maneira, têm carta branca para usar seu poder monetário para controlar o mercado do carbono para seus próprios fins, o que, desnecessário mencionar, inclui a exploração devastadora para mais carbono. Tampouco há um limite à quantidade de créditos da emissão que podem ser emitidos por governos coniventes ao controle do capital.
Ainda mais, quando vemos que é literalmente impossível verificarmos, ou utilizarmos qualquer outro método uniforme de avaliação dos resultados, vemos que este regime é incapaz de um controle racional das emissões, além de dar margem a evasão e fraudes de todos os tipos, juntamente com a exploração neo-colonial de povos indígenas e de seu habitat. Como o jornal Wall Street Journal escreveu em março de 2007, o comércio de emissões "dariam lucro para algumas grandes coorporações, mas não acredite por um minuto sequer que esta trapaça fará muito pelo aquecimento global." O Journal chamou o comércio do carbono de "demodé... gera lucro ao driblar o processo regulatório." Apesar disto, este sistema permanece o caminho escolhido. Todos os aspirantes presidenciais do Partido Democrático dos EUA reafirmaram o modelo do "Cap and Trade" em um recente debate. E em dezembro de 2007 nas reuniões de Bali, realizadas para preparar a transição de Kyoto, que expira em 2012, abriu precedentes para futuros abusos. Bali evitou a menção explícita dos objetivos drásticos para a redução do carbono elaborada pelos melhores cientistas dos clima (90% até 2050); Kyoto praticamente abandonou completamente os povos do Sul à mercê do capital, dando a jurisdição do processo ao Banco Mundial; e deixou ainda mais fácil a compensação da poluição do carbono. No total, Bali foi uma orgia do neoliberalismo, porque não menos de 300 corporações se registaram como ONGs para ganharem acesso ao lote de créditos da poluição. Uma tremenda resposta radical em nível internacional a este sistema predatório de regulação do clima, e a todos os aspectos da crise ecológica ameaçadora da vida, está em processo. Isto foi sentido em Bali e em outras partes, com o princípio simples e afirmador da vida, que a única solução racional e justa à crise do clima é manter o carbono na terra em primeiro lugar. Além da grande escala de intervenções valiosas propostas pelo "movimento dos movimentos," uma perspectiva singular e central está começando a ser discutida: que, para afirmar e sustentar nosso futuro da humanidade, uma transformação revolucionária é necessária, na qual todos os esforços particulares devem ser vistos na luz de uma luta maior contra o próprio capital. Esta luta maior não pode ser meramente negativa. Deve anunciar um tipo diferente de sociedade, e a isto nós damos o nome de ecossocialismo.
Pare o Ecocídio Capitalista! A Alternativa Ecossocialista As tentativas capitalistas de resolver a crise ecológica falharam: somente uma mudança profunda na própria natureza da civilização pode salvar a humanidade das conseqüências catastróficas da mudança do clima. O movimento ecossocialista visa parar e inverter este processo desastroso. Lutaremos para impor todo limite possível ao ecocídio capitalista, e para construir um movimento que possa substituir o capitalismo com uma sociedade onde a posse comum dos meios de produção substitua a posse capitalista, e na qual a preservação e a restauração dos ecossistemas sejam uma parte fundamental de toda a atividade humana. Em outras palavras, o ecossocialismo é uma tentativa de fornecer uma alternativa civilizatória radical ao sistema capitalista/industrial, através de uma política econômica baseada em critérios não-monetários: necessidades sociais e equilíbrio ecológico. Combina uma crítica de ambos "ecologia de mercado", que não desafia o capitalismo, e do "socialismo produtivista," que ignora os limites naturais da terra. O objetivo do ecossocialismo é uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social, e na predominância do valor de uso sobre o valor de troca. Estes objetivos requerem tanto um planeamento democrático que permitirá à sociedade definir os objetivos do investimento e da produção, e uma nova estrutura tecnológica para as forças produtivas da humanidade. Em outras palavras: uma transformação revolucionária social e econômica. A emancipação do gênero é integral ao ecossocialismo. A degradação das mulheres e da natureza foi profundamente interligada durante a história, e especialmente na história do capitalismo, em que o dinheiro dominou a vida. Para defender e elevar a vida, portanto, não é somente uma matéria de restaurar a dignidade das mulheres; requer igualmente defender e avançar as formas e relações de trabalho que se importam com a vida e que foram catalogadas como meramente " trabalho feminino" ou de "subsistência."
Para parar o processo catastrófico do Aquecimento Global antes que seja demasiadamente tarde, devemos introduzir mudanças radicais: 1. no sistema energético, substituindo os combustíveis fósseis que são responsáveis pelo efeito estufa (petróleo, carvão) por fontes limpas energéticas como a eólica e a solar; 2. no sistema de transporte, reduzindo drasticamente o uso de caminhões e de carros particulares, substituindo -los com transporte público grátis e eficiente; 3. nos padrões atuais de consumo, baseados no lixo, na obsolência inata e na competição desbravada. Para evitarmos colocar em perigo a sobrevivência humana, setores inteiros da indústria e da agricultura devem ser suprimidos (energia nuclear, armamentos, publicidade), reduzidos (combustíveis fósseis), ou restruturados (automóveis) ao passo que novos (energia solar, uso da terra) devem ser desenvolvidos, mantendo ao mesmo tempo pleno emprego para todos. Tal mudança é impossível sem um controle público sobre os meios de produção e um planejamento democrático. Decisões públicas democráticas sobre as mudanças no investimento e na tecnologia devem substituir o controle pelos bancos e empresas capitalistas para servir ao bem-comum da sociedade. Longe de ser "despótico", o planejamento é o exercício de liberdade de toda a sociedade: liberdade de decisão, e liberação das "leis econômicas" alienadas e reificadas do sistema capitalista, que controlou as vidas e a morte de indivíduos, e as trancou no que Max Weber denominou a "gaiola de ferro" econômica. A passagem para o ecossocialismo é um processo histórico, uma transformação revolucionária permanente da sociedade, da cultura e das atitudes. Esta transição conduzirá não somente a uma nova modalidade de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, mas também a uma forma alternativa de vida, uma nova civilização ecossocialista, além do reino do dinheiro, além dos hábitos do consumo produzidos artificialmente pela propaganda, e além da produção ilimitada de produtos que são inúteis e/ou prejudiciais. É importante enfatizar que tal processo não pode começar sem uma transformação revolucionária das estruturas sociais e políticas, baseada no apoio ativo de um programa ecossocialista pela vasta maioria da população.
Para sonhar e lutar por um socialismo verde não significa que não devemos lutar por reformas concretas e urgentes agora. Sem nenhuma ilusão acerca de um "capitalismo limpo," devemos tentar ganhar tempo e impor nos poderes - quer sejam governos, corporações, instituições internacionais - algumas mudanças elementares mas essenciais:
redução drástica e obrigatória da emissão de gases estufa;
transporte público grátis;
imposição de taxas/ impostos em carros poluidores;
substituição progressiva de caminhões por trens;
deslocamento do orçamento da guerra para a reconstrução ecológica de casas e locais de trabalho. Estas, além de demandas similares, estão no coração da agenda do movimento pela Justiça Global e dos Fóruns Sociais Mundiais, um novo e decisivo processo que promoveu, desde Seattle em 1999, a convergência de movimentos sociais e ambientais numa luta comum contra o sistema. O Aquecimento Global não será paralisado nas salas de conferências ou de negociações de tratados: somente a ação maciça dos oprimidos, das vítimas do ecocídio, podem fazer a diferença. O Terceiro-Mundo e os povos indígenas estão na vanguarda desta batalha, lutando contra as multinacionais poluidoras, o agro-negócio químico venenoso, as invasivas sementes geneticamente modificadas, e os chamados "bio-combustíveis" que colocam milho nos tanques dos carro e tiram da boca dos famintos. Solidariedade entre as mobilizações ecológicas anti-capitalistas no Norte e no Sul é uma prioridade estratégica. Este manifesto não é uma declaração acadêmica, mas um apelo à ação. As elites governantes encasteladas são incrivelmente poderosas, e as forças da oposição radical ainda são pequenas. Mas estas forças são a única esperança que o curso catastrófico do "crescimento capitalista" será interrompido. Walter Benjamin definiu as revoluções como sendo não a locomotiva da história, mas como a humanidade buscando os freios de emergência do trem, antes que ele mergulhe no abismo.

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